Os 800 jumentos encontrados à beira da morte, por desnutrição, em uma fazenda de Canudos, no Centro-Norte da Bahia, serão tutelados por protetores de animais que planejam colocá-los para adoção, assim que estiverem bem de saúde.
O acordo foi realizado na quarta-feira (6), numa reunião em Canudos, coordenada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) e com a presença de representantes de entidades, prefeituras e órgãos estaduais sanitários e ambientais.
Segundo informou o MP-BA, o Fórum Nacional de Proteção Animal, entidade que tem sede em São Paulo e da qual participam diversas ONGs de proteção aos direitos dos animais, assinou um acordo como fiel depositário dos jumentos.
O promotor que coordenou as reuniões, Tiago Ávila, preferiu não dar entrevista, porque, segundo a assessoria de comunicação do MP-BA, o caso será assumido pelo promotor ambiental Ernesto Cabral de Medeiros, de Euclides da Cunha.
Medeiros é quem ficará responsável por analisar as medidas que serão tomadas com relação aos maus-tratos aos jumentos – além dos 800 vivos, outros cerca de 200 foram encontrados mortos na fazenda por estarem sem ter o que comer e beber.
Multa
Dois chineses responsáveis pelos animais foram multados em mais de R$ 40 mil pela Adab por realizar o transporte dos jumentos de forma ilegal. Os bichos seriam abatidos em Itapetinga e Amargosa, conforme relatório da prefeitura de Euclides da Cunha.
O confinamento ilegal, ainda segundo o relatório, já durava dois meses, e, segundo a Adab, suspeita-se que os jumentos sejam de responsabilidade da empresa chinesa Cuifeng Lin, que capturava ou comprava animais para abater em Itapetinga. A reportagem não conseguiu contato com a empresa.
Comida e água
Participante da reunião, a bióloga Patrícia Tatemoto, representante no Brasil da The Donkey Sanctuary, ONG britânica que atua de forma global na defesa dos jumentos, disse que os animais precisam se recuperar até serem colocados para a adoção.
“Estamos vendo com o Inema [órgão ambiental estadual] se é possível levá-los para reservas ecológicas na Bahia”, disse Patrícia, informando que já existem 32 pessoas cadastradas para adotar os jumentos, que, desde sábado passado, recebem comida e água.
O cadastro, informa a bióloga, está sendo feito por meio da página da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, nas redes sociais. “Por meio da página, os interessados podem manter contato também para fazer doações de alimentos”, completou.
Coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, a advogada Gislane Brandão, que atua em Salvador, disse que a adoção dos jumentos será criteriosa e obedecerá a regras.
“Faremos um contrato em que a pessoa se compromete com a saúde do bicho, e com previsão de multa alta, em caso de algum problema grave, como maus-tratos”, declarou Gislane.
Elizabeth MacGregor, diretora-presidente do Fórum Nacional de Proteção Animal e que assinou o acordo de tutela dos jumentos, disse que mais de cem pessoas estão diretamente mobilizadas em vários estados do Brasil pelo fim dos abates dos jumentos, que vinha ocorrendo na Bahia desde julho de 2017.
“Muita gente tem se sensibilizado com o problema do abate dos jumentos e nos ajudado, como prefeituras da Bahia, vereadores e diversas ONGs. Queremos dar um fim nos abates e promover a saúde dos jumentos”, afirmou.
Legislação
A Bahia era o único estado do Brasil com autorização do Ministério da Agricultura para realizar os abates, que ocorriam em três frigoríficos, localizados em Amargosa, Itapetinga e Simões Filho.
Os abates foram proibidos em 30 de novembro de 2018 pela Justiça Federal da Bahia, em decisão liminar (temporária), mas ainda em vigor. O Estado da Bahia e a União, acionados no processo, recorreram, assim como os frigoríficos.
Outra decisão, da Justiça Federal de São Paulo, proibiu os abates em todos os estados do Nordeste. Na Bahia e em São Paulo, as proibições ocorreram após entidades de defesa dos direitos dos animais entrarem com ações na Justiça pedindo a proibição.
O apelo maior para a proibição foram os casos de maus-tratos registrados em Itapetinga e Itororó, onde mais de 350 jumentos morreram de fome e sede, rumo ao abate, para atender, em sua maioria, ao mercado chinês.
Na China, se extrai da pele e do couro do jumento uma substância usada para fazer o ejiao, remédio tradicional chinês que promete combater o envelhecimento, aumentar a libido nas mulheres e reduzir doenças do órgão reprodutor feminino.
Os animais vinham sendo capturados em estradas do Nordeste ou comprados por até R$ 30 e levados para o abate. Em seguida, a carne, a pele o couro eram exportados para a China depois de passarem por Hong Kong e Vietnã.
Dados do Ministério da Agricultura apontam que a Bahia exportou para o Vietnã 1,28 mil toneladas de carne e couro de “cavalos, asininos e muares”, a US$ 2,5 milhões (R$ 9,7 milhões), neste ano. Para Hong Kong, foram 24,4 toneladas, por US$ 36.814 (R$ 142.282,43).
Ao argumentar sobre a proibição, a juíza federal Arali Maciel Duarte, da 1ª Vara Federal em Salvador, escreveu em sua decisão que, pelos dados a que teve acesso, o plano dos frigoríficos era abater 200 mil jumentos por ano.
Ela viu risco de extinção desses animais num período de 4 anos, tendo em vista que a população de jumentos no Nordeste é de cerca de 800 mil (sendo 96 mil na Bahia), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Fonte: Correio