Em mais uma notícia de ataque de cães a caprinos e ovinos — um dos assuntos mais recorrentes no Calila Notícias desde a fundação do site, em 2006, ao lado de acidentes envolvendo animais na pista —, vamos, neste caso, “fugir” um pouco da linha tradicional de reportagens e adotar um tom mais opinativo para tratar do que podemos chamar de uma tragédia anunciada. Os frequentes ataques de cães a rebanhos caprinos e ovinos são realidade em praticamente todo o sertão nordestino.
Caso mais recente aconteceu em Quixabeira

A ocorrência mais recente foi registrada na manhã de quinta-feira (17). Pelo menos seis ovelhas foram encontradas mortas na Fazenda Umbuzeiro Branco, localizada a cerca de 3 km do centro da cidade de Quixabeira, na região da Bacia do Jacuípe. Segundo o proprietário do local, os animais foram sangrados durante a madrugada, supostamente por cães.
De acordo com o blog do Ril de Beto, casos como esse têm se tornado cada vez mais frequentes nos municípios que integram a Bacia do Jacuípe. Os ataques vêm preocupando criadores, que relatam prejuízos financeiros e vivem em constante estado de alerta.
O tema, inclusive, foi pauta de uma reunião realizada no mês passado, na cidade de Gavião, também localizada na Bacia do Jacuípe. Na ocasião, lideranças políticas, representantes de sindicatos e produtores rurais alertaram para a necessidade de ações urgentes, com foco na contenção dos ataques e na segurança dos rebanhos. Criadores da região cobram medidas concretas por parte do poder público, como a criação de políticas de controle populacional de animais abandonados e campanhas de conscientização sobre a posse responsável de cães.
Enquanto isso, os prejuízos continuam se acumulando para os pequenos produtores, que têm na criação de animais sua principal ou única fonte de sustento.
Calila Notícias: quase 20 anos de cobertura e nada de concreto
Nós, do Calila Notícias — site com quase 20 anos de existência, somados a quase 15 anos de atuação em programas de rádio —, são 35 anos, sempre escutamos as lamentações de produtores, criadores e lideranças políticas em audiências públicas e seminários realizados com o objetivo de resolver a situação. Contudo, até hoje, nada de concreto foi feito.
Eu, Raimundo Mascarenhas, diretor-sócio do Calila Notícias, nunca criei animais. Mas cresci em uma família que criava. testemunhei meu avô inúmeras vezes correndo atrás dos bichos para prendê-los, com medo de ataques de cães. Eu tinha entre 10 e 12 anos e já ouvia as lamentações lá na Fazenda Pedra Branca.
Em 2024, logo após o Carnaval, estive na cidade de Nova Fátima — também pertencente ao território da Bacia do Jacuípe — durante a realização do tradicional CarnaRua. Na ocasião, o então prefeito Adriano Pereira convidou o governador Jerônimo Rodrigues para participar da festa. Coincidentemente, eu havia publicado uma reportagem sobre um ataque de cães na cidade de Barrocas. Não pensei duas vezes: imprimi a reportagem e levei comigo. Quando tive a oportunidade, entreguei pessoalmente ao governador, olhei nos olhos dele e pedi: “Governador, faça alguma coisa para resolver essa situação.”
Veja a reportagem abaixo
Barrocas: cães matam ovelhas em Lagoa Redonda, agricultor lamenta “as últimas que eu tinha”
Mais um ano se passou. Centenas de animais foram mortos, grandes prejuízos foram contabilizados, produtores abandonaram a atividade, dezenas de seminários e audiências públicas foram realizadas — e, ainda assim, nenhuma solução concreta foi apresentada.
Estive, há cerca de dois meses, em uma reunião no auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar (SINTRAF-Coité). Na ocasião, fiz algo que nunca havia feito enquanto repórter: pedi a palavra para falar ao microfone sobre o assunto que venho relatando aqui.
Ali, diante de produtores e lideranças, deixei claro que não participarei mais de nenhuma audiência pública que trate desse tema. Há quase 20 anos acompanho discussões sobre o problema, participo de encontros e ouço as mesmas promessas — e sigo sem ver qualquer avanço. Fiz um compromisso: só voltarei a uma reunião quando for para noticiar uma solução real.
No início desta semana, houve uma nova reunião, desta vez na Câmara de Vereadores de Riachão do Jacuípe. Fui convidado a participar, mas declinei. Percebi que se tratava de mais uma sessão para ouvir lamentações e elaborar documentos destinados aos órgãos competentes — um roteiro que já conheço de cor. Apesar disso, atendi ao pedido do assessor de comunicação da Câmara e publiquei a reportagem no site.
Audiência pública debate ataques de cães a rebanhos em Riachão do Jacuípe
Portanto, o que posso concluir é que, se a situação persiste, trata-se, sim, de falta de vontade política. Quando a classe política quer, tudo acontece. A vontade política é capaz de realizar obras grandiosas, como construir um túnel sob o mar ligando um país a outro. É a mesma vontade que, um dia, deverá tirar do papel a ponte que ligará Salvador à Ilha de Itaparica.
Obras consideradas improváveis se concretizam em muitas cidades graças à força da vontade política. E aí me pergunto: será mesmo que os exemplos que citei são menos complicados do que implementar ações para evitar ataques de cães a rebanhos?