Território do sisal – O Juiz Gerivaldo Alves Neiva foi promovido para a Comarca de Conceição do Coité há 28 anos e continua atuando na mesma cidade até hoje. Seus filhos mais velhos; o médico Gerivaldo Segundo e Ana Clara Neiva (psicóloga), viveram a infância em Coité e hoje são profissionais reconhecidos em suas especialidades em outras cidades.
Depois de viúvo, casou-se com Maria Fernanda Sampaio, conhecida pela atuação como empreendedora e psicopedagoga, e têm dois filhos ainda crianças (Maria e Francisco).
Depois de tantos anos como juiz em Coité, Dr. Gerivaldo organizou a campanha pela construção de um novo edifício para o fórum da comarca e hoje a população conta com um equipamento moderno e 04 juízes para a atender as demandas. São dois juízes parra os juizados, uma juíza para a vara cível e, ele próprio, na vara criminal.
Além disso, a comarca de Conceição do Coité conta hoje com duas promotorias de justiça e dois defensores públicos. Poucos municípios na Bahia contam com uma estrutura desse porte para atender aos jurisdicionados.
Depois dessa trajetória, o juiz Gerivaldo Neiva tornou pública sua condição de autista com nível de suporte 1.
O Calila Notícias conversou com o juiz sobre essa decisão.
CN – Doutor, o que é autismo?

GN – Em síntese, o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por alterações na comunicação social e no comportamento. Pessoas autistas podem também apresentar alterações sensoriais, respondendo de maneira diferenciada aos estímulos recebidos do ambiente. Apesar de ser um transtorno permanente, sem cura, é cientificamente comprovado que a intervenção precoce intensiva pode alterar o prognóstico e suavizar essas características. Embora seja bem amplo, o autismo tem uma escala definida de avaliação baseada no nível de dependência da pessoa e da intensidade das características, sendo dividido em nível 1, nível 2 e nível 3.
CN – Qual é a causa do autismo?
GN – A causa principal é a genética, ou seja, a pessoa já nasce autista. Além disso, há estudos sobre a influência de fatores ambientais durante a gestação. Atualmente, o uso excessivo de telas, a exemplo de TV, celular e videogames, tem contribuído sensivelmente no agravamento dos sintomas de crianças autistas.
CN – Doutor, por que só agora o senhor torna público essa condição de autista?
GN – Na verdade, eu sou autista desde que nasci. Ninguém se torna autista. Eu sempre fui uma criança diferenciada. Aprendi a ler sozinho, fui adiantado de série na escola, lia compulsivamente, tinha um ou dois amigos e não gostava de ambientes com muitas pessoas ou som alto. Também tinha uma enorme dificuldade em manter contatos sociais, mas tinha muita facilidade em aprender novos assuntos e alta habilidade para executar as tarefas, além de ter hiperfocos de tempos em tempos. As pessoas diziam que eu era “esquisito”, “tímido”, “cdf” e outros rótulos mais. A superdotação e altas habilidades me ajudaram a superar as dificuldades de relacionamento e logo aos 17 anos já fui aprovado nos três primeiros vestibulares que fiz: Direito, Economia e Ciências Sociais. No final, terminei concluindo apenas o curso de Direito, aos 21 anos de idade. Advoguei durante alguns anos e resolvi fazer concurso para juiz em 1990, quando tinha 28 anos. Fui aprovado no primeiro concurso. A vida de juiz contribuiu muito para meu isolamento social e aprofundar os estudos e hiperfocos. De outro lado, manter esse estilo de vida me causou uma série de outros problemas, a exemplo de momentos de depressão, ansiedade, tristeza, alterações do humor, diabetes, hipertensão e outros problemas de saúde. Então, depois de anos de sofrimento, resolvi enfrentar a terapia e uma das possibilidades de melhorar minha qualidade de vida foi assumir publicamente a condição de autista de nível de suporte 1.
CN – Como as pessoas reagiram à essa notícia?
GN – Para as pessoas que tem um mínimo de conhecimento do autismo, ou que tem um filho, filha ou parente autista, minha decisão foi muito bem recebida. Passei a ser um exemplo e referência para muitos jovens e um ponto de apoio para as mães e pais de crianças autistas. Ouvi poucas críticas de pessoas com pouca informação sobre o espectro autista dizendo que é um modismo ou que o “autismo leve” é normal e não causa problemas. Na verdade, só quem vive de perto sabe a aflição do que é ser autista ou ter um filho ou filha autista. No final, acho que estou contribuindo para sensibilizar as pessoas, reduzir o preconceito contra crianças autistas e contribuir na luta por inclusão, saúde e educação.
CN – Com o senhor se sente depois dessa decisão?

GN – De um lado, me sinto como se livre de um grande peso nas costas e isso repercutiu na melhoria da minha qualidade de vida. Passei a me entender muito melhor, saber as razões de meus comportamentos, as pessoas que convivem comigo passaram a me entender melhor e tudo passou a ser mais leve e com mais fluidez. De outro lado, essa decisão de deixou angustiado e atento com relação às crianças autistas que precisam de terapias e não encontram esse suporte na estrutura de saúde pública. Na verdade, as crianças autistas que os pais têm planos de saúde enfrentam o problema da negativa e restrições, mas tem recursos para contratar um advogado e conseguir uma liminar. De outro lado, as crianças autistas sem planos de saúde e de famílias carentes, ficam na dependência do SUS e políticas municipais de saúde. Infelizmente, é assim: se uma criança autista de quem pode pagar terapias e plano de saúde já é difícil, imagine quem precisa pegar transporte para se deslocar, reservar um pouco para o lanche e a próxima consulta fica agendada para daqui a dois meses?
CN – Existe uma organização de famílias autistas em Coité?
GN – Sim. Aqui em Conceição do Coité existe a Associação Família Azul de Conceição do Coité (@familiaazuldecoite), presidia por Iara Carneiro, mão atípica, e que tem se dedicado com entusiasmo para o congraçamento das mães e pais de filhos(as) autistas. A associação recebe um repasse do município para pagamento do aluguel da casa e pagamento das profissionais que atendem as crianças. Além do repasse do município, a associação sobrevive da reciclagem, bazar e donativos.
CN – Como colaborar?
GN – A sede a associação fica na Rua Carlos Gomes, 99, seguindo da praça da bíblia em direção à AABB do lado esquerdo. Então, pode deixar na portaria qualquer material reciclável, pacotes de água mineral, brinquedos, livros, folhas de papel, cartolinas, lápis, pincel, tintas, lembrancinhas, biscoitos e lanches sem aditivos…
CN – Uma mensagem final?
GN – Então, no próximo dia 12 de outubro, dia da criança, vamos reunir os pais, mães, filhos e filhas de crianças autistas com brincadeiras e atividades para dar uma significância diferente a esse dia. Já temos o compromisso de participação de profissionais de psicologia, musicoterapia, fonoaudiologia, psicopedagogia, hidroterapia e buscando ainda a equoterapia. Conclamo os comerciantes e empresários de Conceição do Coité para que contribuam com qualquer tipo de donativos: brinquedos, brindes, copos, garrafas, papel, lápis, cartolinas, lanches, biscoitos, presenças e gratidão. Além da iniciativa privada, o poder público municipal ainda deve muito para a causa das crianças autistas. Precisamos de um centro especializado para atendimento dessas crianças, amparo psicológico às famílias e destinação de verba para que a associação dos pais e mães de famílias autistas possam oferecer o atendimento terapêutico a quem não tem plano de saúde ou aceso à rede de saúde pública.