No coração do semiárido baiano, mais precisamente no município de Valente, uma tradição de fé, arte e memória transforma a varanda de uma casa simples no bairro Antônio Lopes em ponto de visita obrigatório durante todo o período natalino. Há anos, Dona Maria Rita, de 70 anos, professora aposentada, artesã, viúva, mãe de três filhos e avó de quatro netos, dedica parte de dezembro à montagem de um presépio, que já se tornou símbolo do Natal na cidade.

Nascida e criada na Fazenda Sossego, zona rural do município, Maria Rita cresceu cercada pela cultura sertaneja e pelas tradições passadas de geração em geração. O hábito de montar o presépio nasceu de uma forte herança familiar: a avó materna, seguida das tias e, depois, sua própria mãe, mantiveram viva essa prática que ela abraçou ainda menina. “Comecei pequeninha, com algumas peças herdadas, e hoje virou minha forma de agradecer e celebrar a vida”, conta.

Segundo ela, o principal motivo para se dedicar há tantos anos à montagem do presépio é apresentar, contar e simbolizar de forma lúdica o nascimento de Jesus e o seu amor infinito. “O presépio representa para mim a resistência, a resiliência e o imenso amor daquele pai e daquela mãe que, para cumprir as ordens daquele sistema da época, viajou léguas e léguas e passou por tantas incertezas e dificuldades, mas não desistiu de trazer ao mundo aquela criança. Essa atitude me alerta para o caminho da simplicidade, da humildade, do perdão, da acolhida, do companheirismo, da partilha… enfim, o caminho do bem viver”, descreve Maria Rita.

A montagem começa geralmente na primeira semana de dezembro, quando inicia o Advento. Na composição, Dona Rita utiliza galhos secos, musgos coletados na fazenda de uma amiga, búzios, pedrinhas, cactos, relíquias da antiga Fazenda Sossego, artesanatos adquiridos em viagens pelo Nordeste, adereços regionais e até brinquedos dos netos. O cuidado artístico impressiona pela riqueza simbólica e sensibilidade.

Mais que o nascimento do menino Jesus, o presépio retrata outras passagens da vida dele: o anúncio do anjo a Maria, o batismo, milagres e encontros marcantes.
Ao longo dos anos, a varanda de Dona Rita se transformou em um verdadeiro ponto turístico afetivo. Famílias inteiras visitam o espaço: mães com filhos, avós com netos, vizinhos, amigos e curiosos que chegam pela primeira vez e sempre retornam. “Geralmente quem vem a primeira vez, volta no ano seguinte e permanece sempre vindo”, relata.

Para muitos moradores, o presépio já ultrapassou as fronteiras do lar de Maria Rita. “O presépio já não é mais de Rita e sua família, é um patrimônio religioso e cultural de Valente. O momento de apreciá-lo é sempre muito esperado quando dezembro chega”, afirma Ana Maria Guimarães, visitante assídua que leva a neta todos os anos.

No interior do Nordeste, os presépios constituem uma tradição forte, e quem mantém esse costume preserva não somente a religiosidade e a espiritualidade, mas também a arte popular e a memória coletiva. O gesto de Dona Rita se tornou expressão viva da cultura regional — um presente anual para Valente, que celebra o Natal iluminado pela delicadeza e devoção de sua obra.
Vale ressaltar que Valente tem como padroeira a Sagrada Familia, cujo novenário acontece neste periodo.




